domingo, 14 de novembro de 2010

E o vento levou



Victor Fleming é creditado como diretor de E o Vento Levou (Gone with the wind, EUA, 1939 - 3 h 53 min), filme mais assistido nos cinemas de todos os tempos. Não só é creditado como levou o Oscar por isso. Mas vale ressaltar que o grande por trás da obra é o produtor David O. Selnick, responsável pelas ideias mais importantes e também pela edição. Foi dele o papel de manter coeso (ou tentar) um filme dirigido por George Cukor, Victor Fleming (que dirigiu menos da metade do longa), Sam Wood e William Cameron Menzies (que levou um Oscar honorário).
Não é estranho que o filme de maior sucesso de público seja um melodrama, gênero que abusa de recursos de apelo universal para abordar maior público. Busca-se estabelecer empatia com o maior número de pessoas. E o Vento Levou é muito bem sucedido quanto as suas estratégias comerciais. Trás personagens femininos e masculinos marcantes e em suas quase 4 horas de duração todos os arquétipos possíveis (em sua maioria, carismáticos) já contracenaram com Scarlett e Rett.
Fugindo, aparentemente, dos estereótipos do malvado e bonzinho para a trama principal (que é o dilema amoroso de Scarlett O’hara), Vento Levou concentra a dicotomia entre bem e mal na Guerra de Secessão. O bem estaria para os sulistas, que é o ponto de vista dos personagens. Eles quem passam fome, morrem, perdem a dignidade, e outras mazelas acontecem por conta da maldade dos nortistas – segundo o filme.
Com a guerra como background e várias camadas, em todos os níveis, de conflitos amorosos e familiares, E o Vento Levou constrói a atmosfera para todo o exagero sentimental que o caracteriza. Os personagens, dentro desse universo, estão sujeitos às diversas armadilhas do destino. A guerra por si só já eleva as desgraças da trama ao limite. Mortes, fome, destruição. E a guerra também refletirá na estabilidade de instituições, como a família. É com a desestruturação de sua família refletida pela guerra que Scarlett (Vivien Leigh) se envolverá em outros problemas e também terá sua visão de mundo alterada.
Muitas obras melodramáticas pecam quanto seus objetivos. Querem lucrar e abordar o maior público. Para isso, o recurso mais eficiente são os personagens. O comum do melodrama já foi explorar o personagem que é absolutamente mal e o absolutamente bom. Mas não há empatia se na verdade não é assim que acontece na vida real. E O Vento Levou acerta nisso ao entregar para personagens secundários o papel de bonzinhos ou mauzinhos. Os protagonistas são anti-heróis. Eles tem defeitos, flutuam entre o bom e o mal caráter e, acima de tudo, são carismáticos.
Não muito distante de uma Ópera, E o Vento Levou ainda preserva o Overture e Interlúdio. Recursos que não sobrevivem no cinema, por serem muito mais adequados para eventos “não-projetáveis”, como os que acontecem num teatro. E é da ópera que o filme tira muitas características.
Feliz é a elite sulista. Ostentam riqueza e sua vaidade faz que as ruas sejam desfiles de moda e as casas sejam as mais luxuosas. Scarlett é uma adolescente cobiçada por todos os rapazes, para inveja das outras da sua idade. Mas Scarlett só tem olhos para Ashley (Leslie Howard). O equilíbrio de Scarlett é rompido quando Ashley declara que vai se casar com outra. O equilíbrio do filme também é quebrado e, partindo para uma macroestrutura, eclode a Guerra de Secessão. O conflito do filme não é algo que acontece apenas na vida da protagonista, com a Guerra, o caos é generalizado.
Scarlett é movida por seu orgulho a não desistir de Ashley. Para provocá-lo, se casa com seu irmão, que morre na guerra. O’Hara desenvolve os planos mais absurdos para tentar recuperar seu amor, enquanto Sul e Norte lutam, com vantagem para o Norte.
Surge Rett (Clark Gable)  na vida de Scarlett, mas este não apaga Ashley da mente dela.
Com diversas oportunidades desperdiçadas para a verdadeira felicidade, justamente por estar cega pela sua vontade compulsiva de ser a esposa de Ashley, O’Hara espalha desequilíbrio para vidas alheias. Casa-se com o grande amor de uma de suas irmãs por dinheiro. Viúva duas vezes. Ignora o amor de Rett, magoa-o.
Quando Scarlett se dá conta de que ama Rett e que Ashley seria um capricho, que é justamente quando amadurece, já havia atropelado tanto Rett que este também não a quer mais. Scarlett termina sozinha, colhendo o que plantou. Mas o filme não é pessimista por a personagem mostrar que tem toda a energia para correr atrás e consertar alguns de seus erros.
Não é mérito tão grande do filme ele durar quatro horas e não ter maiores problemas de ritmo e narrativa, já que é tudo muito simples. A história é linear e não há ousadia em sua maneira de narrar. São escolhas fáceis.
Um dos primeiros longas totalmente colorido, E o Vento Levou já explora bastante a nova linguagem. O plano de O’Hara prometendo para si mesma nunca mais passar fome no final da primeira parte não seria ontológico sem os diversos tons alaranjados e vermelhos conseguidos no belo pôr-do-sol filmado. E esse é um plano geral, tipo de plano bastante explorado no filme.
O plano geral reforça a paisagem e a megalomania dos cenários. Em E o Vento levou destacam-se ainda os planos dos vários enfermos da guerra deitados no chão e a pequena carruagem com O’Hara e outros fugindo de um bombardeio e um galpão gigantesco pega fogo. Esse galpão é parte dos cenários de King Kong.
A trilha sonora é de Max Steiner, considerado o pai da música incidental cinematográfica. A trilha de cinema na década de 1930 ainda não era completamente legítima do cinema. Muito herdava da ópera e do incidentalismo do teatro. Era uma música grandiloquente, diferente de esforços do cinema contemporâneo em fazê-la diversas vezes invisível. Mas essa dimensão da música também era destacada no melodrama. Rousseau define o melodrama (da ópera) como um procedimento onde a fala e a música, em vez de andarem juntas se alternam, quando uma frase musical anuncia e prepara a frase falada. Se a declaração de Rousseau fosse feita para o melodrama do cinema, também estaria coerente.
Assim como a música do cinema, atuações ainda estavam longe de tempos de Marlon Brando. As atuações são exageradas, como se os atores estivessem num palco. Não se pensava no naturalismo para câmera.
Longe de obra-prima, E o vento levou permanece como incógnita. O que seria tão atrativo na obra de maior público de todos os tempos? Aqui não achamos a resposta, mas muitas premissas foram incentivadas para reflexão.

Um comentário:

  1. Muito bom o blog, Maurício. Vou linká-lo no meu.
    Abração,

    www.ofalcaomaltes.blogspot.com

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