segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O mundo imaginário do Doutor Parnassus


A Fantasia seria o gênero narrativo em que o autor cria um mundo paralelo àquele que convencionamos com real, considerando a existência desse em sua história ou não. Na fantasia novas regras devem ser criadas para a Física, Química, Matemática, Linguística, percepções e demais relações dos seres com seu ambiente e do ambiente com o sistema como um todo. A credibilidade do mundo criado depende essencialmente do rigor que o autor se impõe para não quebrar as regras que criou. Seu público percebe e se incomoda imediatamente quando essa proposta não é cumprida, tornando a trama incoerente. Sim! A fantasia é realista enquanto considera o seu mundo como o real. As coisas acontecem como são - desde que seja assim que acontece no tal mundo.
Já no Fantástico é diferente. Seria algo próximo de um casamento do Surreal com a Fantasia. Regras frágeis aparentemente existem mas são rapidamente quebradas para uma livre associação de ideias. Não há a preocupação com uma "nova legislação" ou demais leis críveis do novo ambiente. O objetivo aqui é o lunático. Jamais o compromisso com a criação de uma nova realidade. Nada pode ser contínuo, equivalente. A incoerência manda. Aparentemente um campo mais seguro para ser trabalhado, já que, aparentemente, não se tem um rigor quanto às regras estabelecidas e, já que a associação dos elementos é livre, pode ser feita como um brainstorm. Mas não. Talvez não seja tão simples alcançar o resultado esperado para o "bom" Fantástico. E é nesse segundo gênero que se encaixa O mundo imaginário do Doutor Parnassus (The Imaginarium of Dr. Parnassus, Inglaterra, 2009 - 2 h 2 min),  mais recente filme de Terry Gilliam (Brazil, o Filme).
Parnassus (Christopher Plummer) tem mais de mil anos e tem o dom de levar as pessoas às maravilhas de seu inconsciente através de um espelho falso. Parnassus, para conquistar a imortalidade, acordou com o Diabo (Tom Waits) que lhe entregaria sua filha assim que ela completasse 16 anos. Parnassus só não contava que fosse se apaixonar e realmente acabasse tendo um filha, Valentine (Lily Cole). Às vésperas do décimo sexto aniversário da jovem, Parnassus, junto com sua equipe que compôe a companhia de circo itinerante - Valentine, Anton (Andrew Garfield), Percy (Verne Troyer) e, de última hora, Tony (Heath Ledger, Johnny Depp, Jude Law e Colin Farrel) -, que está a beira do fracasso, devem conseguir algumas almas a serem trocadas pela de Valentine.
Gilliam é infeliz ao construir nos sonhos um universo raso. É multicolorido, com direção de arte impecável, mistura técnicas digitais com plásticas, gerando um resultado único, porém, raso. Os clientes de Parnassus atravessam o espelho para se entregarem à realização de seus desejos. Nada mais conveniente que uma dondoca enxergar sapatos caros gigantescos, uma criança entrar num parque de diversões, etc. É fácil e óbvio.
Visualmente perfeito, O mundo Imaginário investe na direção de arte, figurino e fotografia. A companhia de teatro de Parnassus se assume com visual romântico. Vestes sofisticadas e trabalhadas como no século XVIII. As primeiras imagens do filme nos mostram apenas o grupo de teatro, nos induzindo a ver o filme primeiramente como de época. Quando a câmera se distancia e mostra o palco em ambiente contemporâneo, numa Europa moderna, vemos o quão particular é o universo daquele grupo de teatro. Vivem um mundo restrito em que Valentine sonha lendo sua revista "Lar ideal", que mostra famílias de comercial de margarina, famílias normais (tema explorado de maneira piegas em alguns momentos da obra).
A morte de Ledger no meio das gravações gerou uma das soluções mais criativas e, finalmente, verdadeiramente do Fantástico.  Johnny Depp, Jude Law e Colin Farrel se revesam no papel de Tony quando este entra em diferentes momentos no espelho de Parnassus. Como nos sonhos, quando olhamos para um personagem em momentos diferentes e ele assume outro aspecto, Tony muda de intérprete. Gera o esperado efeito lunático do Fantástico.
O mundo imaginário do Doutor Parnassus se pretende Fantástico e usa recursos ilustrativos de significante nada subjetivo. Cai em diversas vezes na estética publicitária e ainda sofre com um roteiro que nunca engrena. Mas não é de todo perdido. Há momentos realmente bons, de humor fino, ao melhor que o diretor de Monty Python em busca do cálice sagrado já produziu. O filme tem seu valor, ainda que menor, na filmografia de Terry Gilliam.

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