segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

A rede social



Convencinou-se usar o verbo "navegar" para designar o ato de usar a internet, o ir de página a página, link a link. A não ser que que essa navegação seja em auto mar e numa tempestade, o termo soa muito humilde para o que é o fluxo de informações na rede. Diante de vários caminhos, podemos entrar por todos. Nos fatiamos em vários, divimos nossa atenção ao mesmo tempo em diversas páginas. Colhemos algumas palavras aqui, uma imagem alí e montamos nosso texto, nosso hipertexto. Bem raso se analisando o que eram os textos originais, mas tão denso quanto o novo texto que agora constitui. Assim funciona o mais recente longa de David Fincher (Clube da Luta), que com carreira carregada de vitalidade, após lançar o comum Benjamin Button, tem a regularidade de sua autoria retomada com A Rede Social (The Social Network, EUA, 2010 - 2 h 1 min).
Baseado no polêmico e homônimo livro Ben Mezrich, que revela os bastidores conturbados do surgimento do maior site de... rede social da internet, o Facebook, o filme investe na mesma trama, enriquecendo-a com minuciosidade no tratamento dos personagens e narrativa. Mark Zuckerberg (Jesse Eisenberg) é um programador genial que se sente sufocado por Harvard e seu excesso de tradições. Após ser dispensado pela namorada, irritado e bêbado, Mark raqueia páginas de várias garotas da faculdade, baixando suas fotos. Monta uma página de enquete sobre a mais gostosa da Universidade e, numa madrugada, consegue saturar os servidores de Harvard com acessos. O talento agora era público. Mark é convidado por gêmeos ricos para montar o que mais tarde resolveu fazer sozinho, o Facebook. De fato Mark não é exposto no longa como alguém que roubou uma ideia. Ele apenas escolheu entre ser um funcionário e ser o patrão. As grandes ideias vieram realmente dele. Externalizando a criatividade de Mark, em uma cena um colega pergunta ao protagonista se sua ex-namorada está procurando alguém. Surge aí um dos recursos pioneiros do facebook, o status social, não se restringindo a solteiro e casado, mas "à procura", etc.
Os anos decisivos de Mark, aqueles que o tornaram o mais jovem bilionário do mundo, são contados por Fincher numa estrutura que lembra um grandioso portal de internet. Temos várias categorias de assuntos, várias e várias páginas. Perder-se é muito fácil, mas é um risco que todos se dispõe a correr, pois sabem onde está a página home, onde sempre podem voltar e começar de novo. A home de Rede Social são os dois julgamentos dos dois processos que Mark sofre. Um seria baseado na acusação de ter roubado a ideia de construir o Facebook dos gêmeos e a outra é de ter excluído Eduardo Saverin (Andrew Garfield), destacado no filme como o verdadeiro amigo de Mark no meio a vários oportunistas, do expediente de fundação do Facebook e demais prejuízos financeiros que isso acarreta. A medida que argumentos, frustrações, etc. são colocados em pauta no julgamento, o filme sai da home page para a página da qual agora trata, indo e vindo, desconstruindo a linearidade do tempo.
Mark é o filme. Personagem complexo com universo excêntrico. As vezes de caracterização caricatural, Mark pressiona o lábio inferior como quem ainda não se acostumou a viver sem a chupeta e fala bastante acelerado, como que com uma só voz não fosse possível emitir tudo que ele precisa naquela fração de tempo. Tudo isso reforça o quão controverso é Mark que, como o bom gênio, tem a complexidade de mentes experientes num comportamento e curiosidade infantil.
Rede Social é um filme de closes e planos curtos. Não poderia ser contemplativo um filme sobre a geração que aborda e tal universo. Os closes e o ritmo propiciado por isso e a duração dos planos ressalta a adrenalina do hipertexto.
Com muito mais foco para o roteiro verborrágico, A Rede Social tem fotografia sutil mas de escolhas estéticas significativas. O foco é bastante trabalhado, mas, diferente do que normalmente se faz, não é o foco que se desloca para um novo campo focal, mas os personagens que entram no foco. O desfocado é denso, quase um fluído. Entrar em foco é chegar à superfície. E o campo focal é bastante reduzido, mantendo apenas dois níveis possíveis de realidade, um primeiro e segundo plano, descartando gradações entre eles.
A Rede Social é um recorte temporal muito preciso na vida de um personagem verídico (ao menos até onde ele não é ficcionalizado). O roteiro é uma adaptação perfeita, primeiramente da literatura e depois da realidade. As motivações da personagem, mesmo que reais, perfeitas no mundo da ficção são o que tornam a obra tão legítima. Mark começar tudo por vingança da ex-namorada é o primeiro dos vários argumentos que justificam a tamanha inspiração para a criação do Facebook. Argumento não necessariamente tirados da história real, mas que fazem o filme funcionar.

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