sábado, 22 de maio de 2010

Adaptação


Semana passada, Robert Mckee veio ao Brasil (São Paulo, claro), para o seminário Story. Mckee é tido como o mais importante professor de roteiro cinematográfico, além de ter escrito o mais famoso (e melhor, eu acho) livro sobre o assunto - Story (também). Mas eu não fui no seminário, que, além de ser 4 dias em São Paulo, só a inscrição custava R$ 1250,00. Doeria no bolso. Frustrado, resolvi assistir novamente Adaptação (Adaptation, EUA, 2002 - 1 h 54 min), que homenageia o professor. A direção é assinada por Spike Jonze (Quero ser John Malkovich) e o roteiro por Charlie Kaufman (Brilho eterno de uma mente sem lembranças) com seu irmão Donald Kaufman.
Charlie Kaufman (sim, ele é o protagonista - atuado por Nicolas Cage [e muito bem atuado]) vive um momento especial em sua carreira de roteirista. O resultado de Quero ser John Malkovich lhe renderam ótimos elogios. Com a visibilidade, é incubido de roteirizar um best seller escrito por Susan Orlean (Meryl Streep). Kaufman questiona seu talento ao entrar num bloqueio criativo causado pelo livro, que tem palavras tão fortes que ele não vê caminhos para transformá-las em imagens, que é o que um roteiro exige. Saltando no tempo, o filme nos mostra a apuração da jornalista Susan para escrever seu livro sobre orquídeas, que Kaufman tenta adaptar.
A vida pessoal de Kaufman também o atrapalho no processo criativo. Há mulheres interessadas nele, mas o dito se acha gordo demais para elas. Para piorar, vive com seu irmão gêmeo Donald (Cage, novamente). Enquanto Charlie é tímido, pessimista e melancólico, Donald é alegre, bobão e confiante (arrogante, normalmente). Charlie é experiente na sua profissão, tendo convicção de sua técnica. Já Donald (que tenta engrenar como roteirista), é o típico cara que lê manuais de roteiro e acha que descobriu uma mina de ouro. Em diversos momentos ele menciona Mckee, além de carregar Story em algumas cenas.
Assim como em Quero ser John..., muitos atores estão no filme fazendo a si mesmos, como Catherine Keener, que normalmente aparece nos sets de Quero ser John Malkovich, em que muitas cenas são verdadeiras das gravações deste filme. Mas o personagem que se destaca é a narrativa. Esse é o tema do filme, afinal. Debate-se a adaptação. A medida que Kaufman mergulha em sua crise, o filme vai ficando cada vez mais confuso, arrastado. Como um carro sem motorista. É quando nos surpreendemos pela voz over da Susan: "reduza o material... escolha um elemento e foque nele". Há esses momentos em que a aula de roteiro é literal.
Kaufman decide que tem que conhecer a Susan para voltar a ser criativo. Ele parte para Nova York, onde ela trabalha. Tímido, não consegue o encontro. Por sorte, passava pela cidade Mckee e seu seminário. Kaufman comparece ao seminário, quase que se escondendo. Ele considera um grande fracasso para um roteirista estabelecido estar nesse tipo de curso. Ele se surpreende com o seminário, que é tudo aquilo que seu irmão empolgado dizia. Mckee lança suas frases mais famosas, como "nunca use Deus ex machina", "com assim a vida real não tem graça?" e "nunca use a voz over" (nesse momento, pra quem já estava se irritando com a voz over, se choca com a piada metalinguistica). É a partir do encontro com Mckee que a narrativa sai do seu estado mais mórbido para engrenar novamente. O filme lança recursos que o  Mckee aponta como errados e agora é hora de tentar corrigir.
A trama tenta se reencontrar, mas esqueceu-se de algo. Mckee falou para não usar o Deus ex machina, mas a tentação foi tamanha que bizarramente personagens bons viraram assassinos, viciados em drogas... os tapados ficaram inteligentes. Kaufman (o verdadeiro), abusa das piadas internas. Só saberá que os defeitos do roteiro são propositais quem entender um pouco da coisa.
É Susan quem nos explica o que é adaptação. As orquídeas o fazem para sobreviver, e fazem porque querem viver. É preciso gostar de algo, tanto que te faça se adaptar para isso. Ou seja, não se assasina ou livro quando ele vai para o cinema, mas nasce um filme. E os curiosos procurarão o livro, mantendo assim sua sobrevivência.

Agora, palavras gratuitas de Robert Mckee sobre história (estória, como ele prefere) x linguagem:


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