domingo, 2 de maio de 2010

Alice no País das Maravilhas



O repúdio de boa parte do público e da crítica a Alice no país das maravilhas (Alice in wonderland, EUA, 2010 - 1 h 49 min) talvez esteja no apego desses ao livro e à uma estrutura narrativa mais convencional (não que o filme seja um modelo de experimentação narrativa). O novo filme do Tim Burton (Edward mãos de tesoura) tem sim defeitos, mas não deixa de ter seu espaço entre os grandes trabalhos do diretor, ora chamado de inventivo e estilístico, ora acusado de abusar da fórmula.
Alice (Mia Wasikowska), mais de 10 anos após conhecer o lugar encantado e surreal onde chegou caindo numa toca de coelho, o qual chamou "País das maravilhas", vive sobre a linha tênue da incerteza. Não se sente a vontade nos eventos socialites, tampouco em ter que fingir ser uma donzela. Outra de suas incertezas é saber até onde seus sonhos são sonhos. Ela tem o mesmo desde criança. Numa festa com toda a elite de Londres, Alice descobre que será pedida em casamento publicamente por um inglês almofadinha. Ela está transtornada por ser a única a perceber um coelho correndo por entre os arbustros do jardim. Isso parece fazer com que sua memória entre em fluxo, mixando lembranças (como quando alguém reclama das rosas brancas e ela fala que basta pintar de vermelho - algo que fez em sua primeira viagem ao País das maravilhas), sonhos e realidade. Em toda a sequência da festa, a profundidade de campo é minunciosamente trabalhada. Os enquadramentos priorizam as camadas, com elementos próximos e outros em background. O 3D reforça isso, fazendo alguns personagens desgrudarem da tela, enquanto outros, mais distantes, continuam lá.
Na frente de uma multidão, prestes a ter que dizer sim ou não para um pedido de casamento, Alice vê o coelho correndo e sai atrás deste. O animal desaparece próximo a um buraco, onde Alice cai. A queda dura alguns minutos e é um dos momentos mais viscerais - quando todos os nossos 5 sentidos são acionados pelo design de som e efeitos visuais. A cena seguinte explica o filme: Alice chega a uma sala redonda. Numa mesa há um vidrinho escrito "beba-me". Bebendo, a menina encolhe. No chão, um bolinho escrito "coma-me", que a faz crescer. Ela é observada por personagens que murmuram coisas como "esta não é a verdadeira Alice", "sim, é a Alice". A Alice verdadeira talvez esteja entre o esticar e encolher.
Evoluindo deste ponto em diante, o filme vai ficando cada vez mais confuso. A narrativa não parece ser guiada para um objetivo, é como se os subplots não existissem. Diferente do livro, onde predomina o surrealismo, o filme está mais próximo de uma aventura épica (mas ainda há vários elementos surreais). O País das maravilhas foi tomado por uma era ruim, onde a Rainha Vermelha (Helena Bonham Carter) comanda. As coisas fazem mais sentido, então. Percebemos que quando o filme começou tudo já estava encaminhado, ou seja, estamos vendo um final de 2 horas. Seria o mesmo que ver O Senhor dos Anéis: o retorno do rei (não estou recomendando isso) sem as duas outras partes da trilogia. Temos então dois fatores para a narrativa ter esse aspecto: (1) acompanhamos a ótica de Alice e, à medida que ela percebe o que está acontecendo com ela, quem ela é e passa a separar melhor sonho e realidade nós passamos a mergulhar melhor no filme. (2) O filme é um grande plot, ele não se estabelece bem entre atos (início, meio, fim). É como um buraco no tempo, um limbo - como um sonho.
Como é de se esperar, Burton oferece personagens irreverentes que provavelmente serão lembrados para a posteridade. A Rainha Vermelha, A Rainha Branca (Anne Hathaway) e o Chapeleiro Maluco (Johnny Depp) são alguns deles. A primeira, é uma sátira aos que tem muito poder, mas não tem capacidade de executá-lo. A Rainha vermelha, com sua cabeça monumental, manda decaptar a todos que merecem alguma punição - pensar em outras alternativas a amedronta. A Rainha Branca é irmã da vermelha. Esperamos que elas sejam o oposto, como que em um duelo de bem e mal. Mas a irmã boa é um paródia da princesa ideal da Disney (estúdio do filme). Hathaway se movimenta como uma bailarina de caixinha de música e, além dessa, suas outras ações e postura são nitidamente forçadas. A Rainha Branca é como alguém que enriqueceu rápido e tem que se adaptar aos novos ambientes para parecer uma donzela. O Chapeleiro segue a linha dos personagens que Depp faz nos filmes do diretor: alguém cheio de personalidade e melancolia.
As proezas técnicas são inquestionáveis. A direção de arte dá a profundidade para o mundo fantástico (a presença das árvores retorcidas já era esperada). A fotografia é a melhor do ano (e nem chegamos na metade de 2010 - mas eu aposto nisso). E a soma da direção de arte mais a fotografia nos planos gerais geram paisagens surreais. A trilha de Danny Elfman segura a narrativa, quando a direção não o faz.
Os maiores defeitos do filme estão na falta de ousadia, principalmente de direção e roteiro. O conceito está bem formulado, mas não é executado ao máximo. Burton não consegue fazer suspense. Na cena em que Alice tem que pegar uma espada guardada por um monstro no castelo da Rainha Vermelha, tudo acontece sem muito risco para a personagem. E um final cheio de lições de moral ditas pela boca da própria Alice, não casam bem com o que vinha sendo explorado até então: o não dito, o subentendido ou o que não queria dizer nada.
Já não bastasse alguns defeitos significativos do filme, ele ainda deve ser muito questionado por aqueles presos na ideia de que o livro é sempre melhor. Literatura e cinema são midias diferentes. As ferramentas necessárias pra o bom funcionamento de cada uma delas também são diferentes. Uma boa adaptação é resultado de uma "destruição" da versão original. "Alice" conseguiu isso, mas os verdadeiros problemas do filme (que não estão no processo de adaptação) depõem contra.

Um comentário:

  1. Uma coisa que acho estar acometendo Burton é ser envenenado pela própria fórmula mágica. E a obsessão dele pela esposa e por Depp está começando a ficar enfadonha - apesar de ambos serem excelentes atores. No mais, ainda não vi Alice, mas quero assistir tão logo seja possível. =]

    Abraços!

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