segunda-feira, 26 de abril de 2010

As melhores coisas do mundo



Falar de um mundo o qual já não fazem parte há anos, torna-se um desafio grande para boa parte dos cineastas (principalmente dos preguiçosos). O que temos visto nos últimos tempos em filmes teen, ou que abordem esse universo, é um resultado quase nunca satisfatário, sendo esses filmes retratos esteriotipados que diferem quase absolutamente do verdadeiro mundo dos jovens. Quando não é isso, vemos os jovens de outras décadas fingindo serem os de hoje. Não é o caso de As melhores coisas do mundo (Brasil, 2010, 1 h 47 min), filme um tanto naturalista, que aborda muito bem os principais arquétipos (e não esteriótipos) dos adolescentes de hoje.
O filme de Laís Bodanzky (Bicho de sete cabeças) é um painel de tudo aquilo que já se sabe sobre o complexo mundo dos adolescentes, com uma boa atualização para questões de como os recursos tecnológicos são revertidos em ferramentas para que eles sejam mais adolescentes (pejorativamente falando). Mano (Francisco Miguez)  exemplifica na trama um dos jovens que acaba tentando "se adaptar" para ser bem visto. Ele é a fim de uma das piriguetes da escola, mas ela fuma e ele odeia cigarro - mas ele acaba tentando fumar. Seus pais (Denise Fraga e Zé Carlos Machado) estão se separando, pois o chefe da casa resolveu ser feliz e assumir seu romance com seu orientando de mestrado. O irmão (Fiuk) é metido a poeta incompreendido. Podemos ver que Mano não está tão bem.
O protagonista tem aulas de violão com Marcelo (Paulo[inho] Vilhena). Para chegar ao ap de seu professor, Mano tem de subir uma longa escadaria, carregando sua bicicleta e violão. Ele tem que escalar a montanha para chegar ao seu mestre. As aulas de violão acontecem em momentos específicos do filme em que Mano está prestes a explodir, então vai ouvir algumas palavras de sabedoria. Seria uma bela metáfora se ele realmente ouvisse coisas sábias. Mas um professor de música falar que "o violão é a alma da guitarra" é intragável! É o mesmo que falar que teatro é a alma do cinema.
A película é permeada de excelentes atuações, minimalistas e naturalistas. A mise-en-scène é meticulosa. A reação dos personagens ao ouvirem outros falando é maestral, sobressaindo atuações como a de Denise Fraga (ótima como a mãe solitária).
Incomoda no filme as pontuais salpicadas de "esse é um filme cujo público alvo são adolescentes" (ao menos são pontuais). Excesso de música pop muitas vezes soa como barulho por não casarem na cena. Quando as músicas casam, o filme até parece videoclip. Alguns padrões estéticos também refletem isso, como acelerar o o tempo do vídeo para que tudo passe corrido. A temática é muito bem trabalhada com um cinema rigoroso, mas há momentos que persoagens parecem que vão virar para a câmera e passar sua lei de moral. Essa última situação é gritante próximo ao final do filme, quando o namorado do pai do Mano explica a Carol (Gabriela Rocha - a menina que anda com os meninos) e a Mano que eles podem aplicar as ideias deles de igualdade através de teatro, dança, blah e blah (lembrando que tudo isso que falei nesse parágrafo é perdoável se analisarmos esse filme como um filme de camadas. A camada comercial é necessária! Ninguém faz filme para não ser assistido).
Outra grande falha (essa não é perdoável), é na narrativa. As situações do filme se repetem disfarçadamente para personagens diferentes, mas se repetem. Muitos na escola/inferno, principal lócus do filme, são amedrontados pelo que pode ser postado no blog super atualizado da  paparazi oficial do colégio (personagem brilhante). Chegando naquele espaço temporal técnico em que deve entrar o plot para o final, por terem perdido o fio condutor da narrativa, usam um Deus ex machina, jogando bosta no ventilador. O namorado do pai do mano (não lembro o nome dele e nem achei o nome do ator) é o único que lê o blog do Pedro (irmão de mano). O garoto pseudo poeta posta, após uma briga com a namorada, um texto que sugere que vá se suicidar. É o momento em que o personagem que não acontecia, sabíamos que existia, resolve fazer seu papel tapa-buraco. Ele quem aciona todos para salvar Pedro de si mesmo, nesse tal suicídio repentino.
Sobre Pedro - o que é esse personagem? Confesso que não digeri. Ou ele é um adolescente absolutamente confuso consigo próprio, não se entende e não se faz entender. Digo isso pois ele é envolvido com os grupos artísticos (teatro, poesia, música), onde se prega a tolerância e, quando ele tem seu pai como homossexual, não aceita de forma alguma. Então, ou ele é o que eu já disse (não se entende e não se faz entender), é um adolescente que tá bem preocupado com a reputação ou, simplesmente, um personagem mal construído. Agora prefiro não tomar partido.
Outro momento do filme que ficou confuso é uma suposta briga de Pedro e sua namorada. Ele fala algo como "agora que fizemos o filho,  vamos assumir", quando são surpreendidos por Mano, fingem que estavam ensaiando a peça da escola. No fingimento, fazem metáforas até que inteligente que inferem, realmente, que a moça está grávida. Isso nunca mais é citado. Talvez seja uma trama que não sobreviveu à edição.
As melhores coisas do mundo é um filme impressionante (acho que fui chato na minha crítica acima). Bodanzky é uma diretora de muito potencial que tem bastante autoria. E, acima de tudo, esse é um marco no mercado audiovisual brasileiro, que cada vez  mais vem investindo nos gêneros cinematográficos.

domingo, 25 de abril de 2010

Frenesi



Como um dos últimos filmes da carreira de Hitchcock (Um corpo que cai), se ele fizesse apenas uma repetição, o perdoaríamos, pois sua obra já era vasta. Além de já ser um diretor bastante experiente ao fazer Frenesi (Frenzy, Reino Unido, 1972 - 1 h 56 min), Hitch também já tinha idade avançada (83), mas sua ousadia é típica de um diretor na flor da idade.
Um cadáver de uma mulher nua flutua sobre a água, surpreendendo um grupo de turistas. Em seu pescoço, uma gravata listrada que a enforcou. Para nos confundir, a cena é cortada para Richard Blaney (Jon Finch) vestindo-se com uma gravata idêntica. Isso nos induz a crer que Blaney é o assassino. Ele é demitido do bar onde trabalha por seu chefe achar que não tem pago o que bebe. Mais algumas cenas indicam Blaney como o assassino, como ele sair de fininho na presença de policiais. Então ele vai ao bem sucedido escritório de serviços matrimoniais de sua ex-esposa. Conversam aos gritos, chamando a atenção da secretária super esquisita do escritório. À noite, Blaney janta com sua ex. No restaurante brigam novamente, com várias pessoas de testemunha.
Logo nos  primeiros minutos do filme, o verdadeiro assassino é revelado. Isso mostra que a proposta do filme não é brincar de detetive. Brenda Blaney (Barbara Leigh-Hunt), a ex de Richard, é surpreendida em seu horário de almoço com a visita de Rusk ( Barry Foster). Amigo de Blaney, Rusk é um cliente problemático. Ele quer um tipo de mulher um tanto peculiar, que o escritório não consegue achar. Sendo assim, ele diz se contentar com a dona do escritório mesmo. Rusk estupra Brenda, enquanto essa, para suportar, recita poesias. Cena belíssima. Em seguida, Rusk tira sua grava e enforcar Brenda - ele é o serial killer. Acho tosco na cena, para representar os olhos da morta parados, terem congelado a imagem. Rusk vai embora e chega Richard, que se depara com a porta fechada e vai embora. A secretária volta e ainda vê Richard saindo. A câmera fica parada apontada para a rua enquanto a secretária sobe no prédio. Continuamos acompanhando a câmera parada até que a secretária grita, significando que encontrou o corpo de Brenda. A espera até o grito é de alguns bons segundos.  O bom natualisto aplicado por Hitch.
Richard chama sua peguete, que trabalhava com ele no bar, para passarem a noite juntos num hotel. Por ter passado a noite anterior num abrigo que lhe rendera um péssimo cheiro, Richard pede no hotel que lavem suas roupas ao máximo. Logo pela manhã sai nos jornais que Richard era o principal suspeito do assassinato de Brenda - a secretária o denunciara. Pedir que lavassem suas roupas como pediu era mais um argumento contra ele. Nos primeiros minutos do filme, Hitchicock nos mostra como alguns elementos, nada decisimos nos fazem acusar terminantemente um personagem. Depois de nos dar a verdade, faz como que torçamos para que as pessoas no filme sejam inteligentes (como os espectadores não foram) para não apurar os fatos erroneamente e acusar a pessoa errada.
A obra é recheado do humor negro mais sofisticado. "Eles são ótimos para os turistas" (detetive falando a outro sobre a importância dos serial killers) e "se não pode fazer amor, venda" (para Brenda blaney) são algumas das célebres. Os momentos mais hilários ficam por conta dos jantares preparados pela Sra. Oxford na casa do Inspetor-chefe Oxford (Alec McCowen). O inspetor sempre conta a ela o desenrolar das investigações. Ele fala dos brutais assassinatos enquanto é servido por um prato visualmente nojento. Apesar de haver apenas um cena de assassinato explícito, sentimos a mesma gastura vendo o inspetor tentar comer aquela comida tão estranha, sendo que ele faz questão de ficar descrevendo os assassinatos enquanto tenta por aquilo para dentro.
Outra cena que usa do tempo real como grande elemento de tensão (como o do encontro do corpo de Brenda pela secretária) é o assassinato de Babs (Anna Massey). Rusk promete à garçonete (a peguete de Richard), depois que esta se demite do bar, que ela pode ficar em seu apartamento enquanto ele viaja. Primeiro acompanhamos eles subindo as escadas em espiral do prédio de Rusk. Chegando à porta, a câmera retorna, descendo as escadas flutuando. Todos sabemos o que está acontecendo no apartamento. A câmera sai pela porta, em plano sequência. Termina num plano geral mostrando a feira na rua. Todos distraídos com suas vidas. O mundo acontece do lado de fora do apartamente, enquanto Babs é estuprada e assassinada. Lars Von Trier faz algo semelhante em Dogville, na cena em que Grace é estuprada. Hitchcook nem precisou derrubar as paredes para dizer que as pessoas não enxergam nada (sem querer fazer comparações, mas já fazendo).
Fatos e objetos tem um significado abstrato. Tudo que acontece repercute na trama. Rusk carrega no peito um belo broche com um R esculpido. Após livrar-se do corpo de Babs, jogando-a num caminhão cheio de sacos de batata, Rusk nota que ela levou o broche. Ele volta ao caminhão. Antes de conseguir recuperar o seu amuleto, o caminhão entra em movimento. Encontrando o saco que colocou o cadáver, a dificuldade de Rusk agora é conseguir abrir a mão da vítima com o broche, sendo que o corpo já entrou em rigor mortis e o caminhão balança bastante. Salpicada pelo melhor da decupagem do Hitchcock, a cena talvez seja a melhor do filme. Desajeitado, Rusk quebra os dedos de Babs para pegar o broche. Na empreitada, acaba sempre caindo acidentalmente nas partes íntimas da morta.
Frenesi é um obra que discute a questão referencial. O olhar de dentro e o de fora de determinadas situações. Sendo esse tema muito mais relevante na obra que uma trama de serial killer. Deixo aqui o trailer de cinema do filme (só encontrei em alemão), em que Hitch aparece imitando algumas cenas importantes com sua irreverência única, como a inicial em que o corpo flutua sobre a água e a do saco de batatas.




quarta-feira, 21 de abril de 2010

Um homem sério




Talvez Um homem sério (A serious man, EUA, 2009 - 1 h 46 min) não tenha recebido a justa atenção, tanto de público, crítica e festivais, por ser uma obra menos popular e mais um exercício de autoria dos Coen (Queime depois de ler). E, como exercício de autoria, não é seu foco a autenticidade, mas exercitar muito do que já fizeram. Mas uma certeza é que sua pouca notoriedade não se deve à falta de qualidade, pois ele tem bastante.
Larry Gopnik (Michael Stuhlbarg) é pai de uma família judia e professor universitário de física. Larry anda transtornado por diversos problemas pessoais que vem passando e não sabe o porque disso. O atormenta mais não saber porque tantas coisas darem errado do que os ocorridos em si. Na busca de respostas, Larry acaba ouvindo conselhos de diversas autoridades e outras pessoas. Dentre os principais problemas surgidos, estão o fato de sua esposa querer se divorciar para casar com outro,  um aluno coreano o chantagear para que ele adultere uma nota baixa, seu irmão desempregado morando de favor e filhos adolescentes com problemas de adolescentes. Em muitos desses casos, a resolução poderia ser Larry se afirmar como senhor da situação. Impor respeito. Ele precisa ser visto como um homem sério. Mas Larry é completamente passivo. Se o protagonista não toma as rédeas, a narrativa do filme é absorvida pelo caos.
Os plots do filme resultam quase sempre do ocasional. Mesmo que hajam ações humanas, elas não tem força diante das ações externas. A edição nos confunde. As cenas são curtas, saltando de uma para outra de forma aparentemente lógica, como se elas se complementassem, não não a fazem. Logo no início do filme, Danny (Aaron Wolff) está ouvindo música alta com fones na sala de aula. A cena é cortada para um sala de hospital em que um médico examina o ouvido de Larry. Somos levados a crer que Larry seria Aaron adulto com problemas de audição. Mas minutos depois, vê-los sentados na mesma mesa, como pai e filho, quebra as expectativas. Então temos que apagar da cabeça a informação de que a relação entre as duas cenas seria de passado/presente (ao menos do mesmo personagem) e buscar (ou não) outro significado para aquilo. Isso também ocorre quando Sy (Fred Melamed), o noivo da esposa de Larry, está no trânsito e em paralelo é mostrado o Larry também dirigindo. Temos a sensação de que ambos estão próximos e, por alguns segundos, que Sy está perseguindo Larry. Ambos batem seus carros em lugares bem diferentes da cidade.
Para nossa surpresa, com um som percussivo e letras garrafais, aparece na tela "Primeiro rabino". É uma indicação de separação do filme em atos bem definidos, ou seja, que a narrativa será didática. Larry acredita que algum rabino saiba o porque de ele merecer tantas desgraças. O primeiro rabino, ao melhor do humor negro dos Coen, transparece loucura e fanatismo, não sendo levado a sério nem pelo Larry. Mas este lança uma das frases chaves para compreensão do filme: "não precisamos gostar de tudo que Deus faz". Em outra parte do filme, aparece "Segundo rabino". Era a certeza de que a narrativa seria compreensível. O segundo é mais racional. O elemento bizarro da cena é ele contar uma história surreal que de alguma forma explica a teoria do caos. A história é importante para a compreensão do filme, assim como a seguinte frase dita pelo mesmo: "não precisamos saber tudo". Somando essa com a frase do primeiro rabino, vemos que a crítica dos Coen é quanto ao antropomorfismo. E isso é evidente quando observamos que o personagem que sofre disso tudo é um físico que acredita que toda ação tenha uma consequência. Mas a consequência não precisa ser imediata.
Passada a mensagem, a narrativa retoma seu caráter absurdo. Há momentos em que nunca saberemos se foram parte de um sonho, se foram flash back ou era mesmo a realidade. Isso acontece pelos mesmos motivos da edição que soma as cenas, como disse anteriormente, e pelo fato de haver esses três tempos narrativos declaradamente em algumas ocasiões. É memorável a cena em que pensamos que Larry está se despedindo de seu irmão. Somos surpreendidos por uma bala que explode a cabeça do último, aparecendo o vizinho e seu filho com espingardas. O vizinho fala "menos um Judeu, filho", então Larry acorda.
Também é muito forte no filme a alegoria. Nenhuma situação tem fim último em si, principalmente as menores. Ter que consertar a antena de TV não significa só isso. Nunca conseguir consertar a antena de TV concentra os maus resultados de Larry nos outros problemas. Outras situações que não tem significado fechado é Danny fugir eternamente do seu fornecedor de maconha, por estar individado com ele. E Sarah (Jessica McManus), filha de Larry, roubar dinheiro da carteira do pai.
Visto que nem o primeiro nem o segundo rabino resolveram o problema de Larry, tudo dá a entender que o terceiro, o mais experiente e menos acessível, tem a verdade. Mas o terceiro ato, que é toda trabalhado narrativamente como o que daria o desfecho para tudo, não acontece. O último elemente de coesão lógico no filme é o médico ligar para Larry, um tanto preocupado, dizendo que precisam conversar pessoalmente sobre os resultados do exame, feitos no início do filme. Provavelmente uma última desgraça para nosso herói. Intercala-se com essa cena a evacuação da escola de Danny para que protejam-se do furação que está por vir. "O bater das asas de uma borboleta podem causar um tufão do outro lado do mundo". E parece que depois de essa borboleta bater tanto as asas, a doença de Larry possa ser o furação. Em plano de detalhe, a bandeira dos EUA, no pátio da escola, balança com os fortes ventos. Aí podemos somar as cenas de forma lógica mesmo, sem muita divagação. O objetivo é que toda a argumentação do filme seja aplicada à crise econômica que os EUA desencadeu no mundo recentemente.
Entre drama familiar, religião, cultura, economia, sonho, e outras coisas, o resultado não é a confusão, mas a anestesia. Além de tudo que disse, o filme tem méritos técnicos que nos levam a tal estado anestésico no final. Final? É, não tanto quanto em "Onde os fracos não tem vez", mas em certo nível "Um homem sério" também acaba antes do fim. Com os créditos surgindo abruptamente, como se a película na sala de projeção estivesse fatiada, faltando um pedaço. Como num sistema caótico onde não é possível voltar para um estado inicial de tranquilidade - uma resolução.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Chico Xavier - quando a Globo Filmes fez cinema



Meu lado mais cético se aguçou quando me preparei para ver a cinebiografia do médium mais famoso do século passado. Vários fatores que rodeiam o filme me causaram bloquei. Primeiro, é uma obra da Globo Filmes, estúdio conhecido por extender a televisão (principalmente para vender a emissora de TV que a comporta) à grande tela. Imediatamente depois desse fator, o diretor é o Daniel Filho (Se eu fosse você 2), que tem boa parte da culpa da Globo Filmes fazer o que faz. Para fechar com chave de ouro minha aversão, o filme é em boa parte regional, uma temática que os cariocas retratam normalmente de forma desastrosa, sempre imprimindo uma atmosfera rasa e esteriotipada. Tudo bem que o trailer sempre deixou claro que se tratava de um filme bem feito. A composição minunciosa de planos já é percebida, assim como o bom trabalho de fotografia. Mas eu não esperava, de forma alguma, ver num filme de Daniel Filho, produzido na Globo Filmes, com uma narrativa tão arrojada e  com bom uso dos diversos recursos que o cinema (e não a TV) pode oferecer.
Chico Xavier - O filme (Brasil, 2010 - 2 h 5 min) aborda com coesão bastante digna a vida de um homem que viveu muito, tanto quantitativamente (92 anos) quanto intensamente. Para conseguir tal mérito, o roteiro segue ao menos 4 tramas principais. Uma tarefa complexa, que um deslize em qualquer uma das linhas narrativas resultaria na rejeição pelo público. Somos levados, de forma não linear, pelas fases da vida de Chico. O ponto de partida é sempre o programa Pinga Fogo, em que ele é entrevistado, já na velhice (Nélson Xavier, na melhor atuação do filme), por "intelectuais" tentando contradizê-lo. A transição entre o programa de TV e o flash back é marcada por uma frase sábia  do médium, respondendo às contestações no programa, seguida por (sempre) um plano mostrando o rosto do Chico no monitor do estúdio do programa esmaecendo até virar o plano seguinte, em outra fase da vida do médium.
Na infância (Matheus Costa), a fotografia utiliza cores mais quentes, talvez pelo número maior de planos externos e cenas durante o dia. É aí o momento em que o filme desmitifica o médium, considerado por muitos como santo. Quando criança, Chico sofre maus tratos de uma madrasta (Giulia Gam) fanática religiosa, que extrapola a linha da loucura. Já não bastasse o sofrimento dentro de casa, o jovem médium não é levado a sério na escola, ou outros lugares que frequente. Ele já conversa com espíritos, mas falar isso para outros é pedir para ser chamado de filho do demônio (falamos do interior de BH no início do século passado). Essa primeira parte do filme é nitidamente mais saturada, em termos de conteúdo. Isso resultou em cenas mais curtas e elipses mais complexas. Mas o naturalismo, o trabalho de tempo cênico é prejudicado. Merece destaque as aparições da mãe desencarnada (como são referidos os mortos pelos espíritas), com quem Chico se encontra para fazer suas lamentações. Na primeira cena da aparição da mãe (Letícia Sabatella), temos um plano geral aéreo em que a câmera lentamente vai aterrizando, flutuanto, balançando de um lado para o outro - como uma câmera subjetiva. Essa câmera subjetiva que não identifica quem está por trás se repete em outros momentos do filme, sugerindo a presença de espíritos. Ah sim, falo que desmitificam o Chico por que mostram toda a conjuntura que o tornou um homem tão humilde e bondoso. Mostra que os fatores foram humanos e não sobrenaturais.
Crescido (Angelo Antônio), Chico se torna um trabalhador normal de uma cidade com poucas possibilidades. Seu pai (Luís Melo), percebe que o filho ainda é bem acanhado e o leva a uma casa de moças respeitosas (não) para que ele perca a virgendade. É o único momento em que a sexualidade do médium é mencionada. Mas, claro, Chico põe todo mundo pra rezar na tal casa de moças respeitosas e continua virgem. A partir daí alguns acontecimentos tornam incontestável o valor espiritual que Chico tem. Inclusive é aí que ele conheçe seu bem humorado e inteligente guia espiritual, o Emmanuel (André Dias), que supostamente é autor das mais sábias frases ditas pelo médium. Identificado por amigos da família que se relacionam com o espiritismo, Xavier é convidado a psicografar. Utilizando do melhor que o cinema clássico pode oferecer, Daniel Filho consegue dar muita qualidade à cena. A iluminação, então, já é muito mais fria que na infância e assim permanecerá pelo resto do filme. A iluminação que previlegia grandes espaços de escuridão, é responsável pelo tensão da cena. No momento em que o espírito toma posse do corpo de Chico, o teto se abre (literalmente). Somos então levados, por uma câmera ligeira, pelo ouvido do médium, para dentro de sua cabeça. O silêncio é absoluto por cerca de cinco segundos, assim como não se vê imagem alguma. Então algumas formas abstratas coloridas aparecem, até que tudo retome a normalidade. O momento é único, tornando o filme um híbrido de drama convencional  a partir da inserção desta cena de experimentação que  chega bem ao efeito para qual foi feita, a sinestesia.
Enquanto isso, uma trama parece se desenrolar complematemente paralela à vida de Chico Xavier. É o sofrimento do casal Glória (Christiane Torloni, na segunda melhor atuação do filme) e Orlando (Tony Ramos). Glória está inconformada com a perda do filho há mais de um ano, acreditando junto a seu marido que ele tenha sido assassinado pelo seu melhor amigo. Orlando está editando o programa Pinga Fogo, que é exibido ao vivo. Ele é ateu e completamente cético, resmungando sempre dos dizeres de Chico Xavier enquanto edita. Esse personagem é mais um dos que duvida terminantemente dos feitos do médium, o vendo como um charlatão. Sua raiva vem do fato de Glória ter ido atrás do médium, que psicografou uma carta "genérica, que qualquer filho escreveria", nas palavras de Orlando.
Reforçando a ideia de humano, e não de santo, na velhice temos um Chico preocupado com sua careca que vai reluzir nos programas de TV. Vaidoso, ele compra uma peruca, que imortalizou sua imagem, assim como os óculos escuros gigantescos. Além do Chico vaidoso, também temos um Chico que tem medo, que teme a morte (vejam só!), esse ultimo numa cena em que fica desesperado numa turbulência de avião.

O filme só ganha, de modo geral, à medida que evolui. Acabando a trama principal, a vida de Chico, nos surpreendemos com a valorização da linha narrativa de Orlando e Glória em detrimendo da de Chico. Poderia soar como um epílogo chato, mas o desenlace da trama centrado no casal e não em Chico foi dosado perfeitamente. Aí também é posto mais um tema importante: até quando os espíritos podem influenciar no mundo dos vivos. Isso porque Chico, durante o programa Pinga Fogo, supostamente psicografou uma carta do filho de Orlando e Glória. Na carta, o jovem fala que sua morte foi um acidente, que a arma disparou quando eles não esperavam. Isso é levado a julgamento, e a carta mudou completamente o destino do suposto assasino, que passaria um bom tempo atrás das grades.
Chico Xavier - O filme é uma obra repleta de boas atuações, com narrativa muito boa, além de méritos técnicos consideráveis. Todas as falas são dubladas, como as grandes produções de Hollywood. Mas o que não fizeram como os americanos foi a mixagem, que põe a voz dos atores muito mais alta que os sons ambientes, nos lembrando sempre que estamos vendo um filme. Agora nos resta esperar que a Globo Filmes faça mais obras legitmamente de cinema e não de TV.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Debut

Me lembro quando estudei o reino Animalia no Ensino Médio. Marcou-me muito a estrutura dos poríferos. As "esponjas" tem um sistema digestório, no mínimo, curioso. Elas se alimentam por filtração, bombeando água através das paredes do corpo e retendo as partículas de alimento nas suas células. A água entra pelo ósculo, algo que lembra uma boca bem grande, e sai por todas as extremidades do porífero. Ou seja, elas estão imersar em um veículo imensamente maior que elas, englobando-as completamente, mas elas tem o poder de seleção - a saturação não as domina.
Desde cedo decidi que estudaria para ser diretor de cinema. Mas sempre me torturaram as vontades de construir um prédio, uma cadeira, fazer uma revista, trabalhar também com videoclip, escrever livros e zas. Isso é reflexo do que nos é oferecido hoje em dia. Sempre estão surgindo mídias novas. Mas temos que nos atentar no fato de que a quantidade de mídias não é proporcional a necessidade de produção. Vivemos uma saturação de recursos. Todos tem acessos a recursos e todos saem "produzindo". Quantitativamente, temos muito mais peças artísticas de nossos anos que dos passados, mas analisando a qualidade, as coisas não mudaram tanto assim - talvez até tenhamos sofrido um regresso. A luta agora é não se afogar nos recursos. Temos que filtrar o que é util.
Enfim, nos ultimos 2 ou 3 anos, tenho sofrido da doença contemporaneidade. O fluxo de tudo é intenso. Exigem que façamos tudo muito rápido... mas ninguém faz obra-prima em um dia. Tem me custado muito aprender isso.Todos os dias as pessoas saem trocando links nos bate-papos com fotos legais, montagens legais, blogs legais, vídeos legais. A internet promove várias celebridades instatâneas, que (curiosamente?) duram alguns dias e no fim completamente esquecidas. O conteúdo que é trocado nos bate-papo são produtos de realização tão instantânea quanto a duração de sua fama. Muitos fazem sucesso justamente por seu nível de tosqueira. Até os concursos "culturais" hoje são absurdos - "faça um vídeo de 3 segundos muito ruim sobre semiótica".
Essa fugacidade nos faz nivelar por baixo. Meu conceito de obra-prima é algo que se perpetuará pela eternidade, surjam novas tecnologias ou não. O que vangloriamos hoje, hoje mesmo esquecemos.
Agora que eu pude diagnosticar a doença que vivo (e compartilho com muitos), vou buscar a cura. Algumas doses de saudosismo devem me ajudar, além de uso controlado de twitter, orkut, e outras dessas coisas.

Toque-a de novo
Fazendo referência ao cinema, tirei esse título do filme Casablanca. Essa é uma obra de 1942, dirigida por Michael Curtiz. O personagem Richard (Humphrey Bogart) fala para Sam (Dooley Wilson) "Toque-a de novo", pendindo pela música "As time goes by", tema marcante do filme. Não vou me alongar sobre isso, pois em breve teremos uma crítica de Casablanca por aqui. O importante é que saibam que "toque-a de novo" é uma frase eternizada por esse filme.
Sobre o layout (o layout já mudou), é simples e quase genérico. Há particularidades que entram no meu conceito, claro. Coloco no fundo uma textura  de parede com algumas cores esmaecidas. Englobando o conteúdo, o negro. O que fica visível está no centro iluminado, vocês podem conferir rolando o scroll do mouse - o texto que está na escuridão virá para a luz. Utilizo em todo o projeto gráfico a fonte Agency FB. Ela é toda quadradinha, lembrando os padrões estéticos que a web, junto aos pixels, trouxeram. A logo do blog, com Agency FB bold, é multicolorida, talvez representando a diversidade de mídias que me afligem.
Cansei...

Por fim, tudo que tenho a dizer é: sejam esponjas.


 
Copyright © Maurício Chades