quarta-feira, 21 de abril de 2010

Um homem sério




Talvez Um homem sério (A serious man, EUA, 2009 - 1 h 46 min) não tenha recebido a justa atenção, tanto de público, crítica e festivais, por ser uma obra menos popular e mais um exercício de autoria dos Coen (Queime depois de ler). E, como exercício de autoria, não é seu foco a autenticidade, mas exercitar muito do que já fizeram. Mas uma certeza é que sua pouca notoriedade não se deve à falta de qualidade, pois ele tem bastante.
Larry Gopnik (Michael Stuhlbarg) é pai de uma família judia e professor universitário de física. Larry anda transtornado por diversos problemas pessoais que vem passando e não sabe o porque disso. O atormenta mais não saber porque tantas coisas darem errado do que os ocorridos em si. Na busca de respostas, Larry acaba ouvindo conselhos de diversas autoridades e outras pessoas. Dentre os principais problemas surgidos, estão o fato de sua esposa querer se divorciar para casar com outro,  um aluno coreano o chantagear para que ele adultere uma nota baixa, seu irmão desempregado morando de favor e filhos adolescentes com problemas de adolescentes. Em muitos desses casos, a resolução poderia ser Larry se afirmar como senhor da situação. Impor respeito. Ele precisa ser visto como um homem sério. Mas Larry é completamente passivo. Se o protagonista não toma as rédeas, a narrativa do filme é absorvida pelo caos.
Os plots do filme resultam quase sempre do ocasional. Mesmo que hajam ações humanas, elas não tem força diante das ações externas. A edição nos confunde. As cenas são curtas, saltando de uma para outra de forma aparentemente lógica, como se elas se complementassem, não não a fazem. Logo no início do filme, Danny (Aaron Wolff) está ouvindo música alta com fones na sala de aula. A cena é cortada para um sala de hospital em que um médico examina o ouvido de Larry. Somos levados a crer que Larry seria Aaron adulto com problemas de audição. Mas minutos depois, vê-los sentados na mesma mesa, como pai e filho, quebra as expectativas. Então temos que apagar da cabeça a informação de que a relação entre as duas cenas seria de passado/presente (ao menos do mesmo personagem) e buscar (ou não) outro significado para aquilo. Isso também ocorre quando Sy (Fred Melamed), o noivo da esposa de Larry, está no trânsito e em paralelo é mostrado o Larry também dirigindo. Temos a sensação de que ambos estão próximos e, por alguns segundos, que Sy está perseguindo Larry. Ambos batem seus carros em lugares bem diferentes da cidade.
Para nossa surpresa, com um som percussivo e letras garrafais, aparece na tela "Primeiro rabino". É uma indicação de separação do filme em atos bem definidos, ou seja, que a narrativa será didática. Larry acredita que algum rabino saiba o porque de ele merecer tantas desgraças. O primeiro rabino, ao melhor do humor negro dos Coen, transparece loucura e fanatismo, não sendo levado a sério nem pelo Larry. Mas este lança uma das frases chaves para compreensão do filme: "não precisamos gostar de tudo que Deus faz". Em outra parte do filme, aparece "Segundo rabino". Era a certeza de que a narrativa seria compreensível. O segundo é mais racional. O elemento bizarro da cena é ele contar uma história surreal que de alguma forma explica a teoria do caos. A história é importante para a compreensão do filme, assim como a seguinte frase dita pelo mesmo: "não precisamos saber tudo". Somando essa com a frase do primeiro rabino, vemos que a crítica dos Coen é quanto ao antropomorfismo. E isso é evidente quando observamos que o personagem que sofre disso tudo é um físico que acredita que toda ação tenha uma consequência. Mas a consequência não precisa ser imediata.
Passada a mensagem, a narrativa retoma seu caráter absurdo. Há momentos em que nunca saberemos se foram parte de um sonho, se foram flash back ou era mesmo a realidade. Isso acontece pelos mesmos motivos da edição que soma as cenas, como disse anteriormente, e pelo fato de haver esses três tempos narrativos declaradamente em algumas ocasiões. É memorável a cena em que pensamos que Larry está se despedindo de seu irmão. Somos surpreendidos por uma bala que explode a cabeça do último, aparecendo o vizinho e seu filho com espingardas. O vizinho fala "menos um Judeu, filho", então Larry acorda.
Também é muito forte no filme a alegoria. Nenhuma situação tem fim último em si, principalmente as menores. Ter que consertar a antena de TV não significa só isso. Nunca conseguir consertar a antena de TV concentra os maus resultados de Larry nos outros problemas. Outras situações que não tem significado fechado é Danny fugir eternamente do seu fornecedor de maconha, por estar individado com ele. E Sarah (Jessica McManus), filha de Larry, roubar dinheiro da carteira do pai.
Visto que nem o primeiro nem o segundo rabino resolveram o problema de Larry, tudo dá a entender que o terceiro, o mais experiente e menos acessível, tem a verdade. Mas o terceiro ato, que é toda trabalhado narrativamente como o que daria o desfecho para tudo, não acontece. O último elemente de coesão lógico no filme é o médico ligar para Larry, um tanto preocupado, dizendo que precisam conversar pessoalmente sobre os resultados do exame, feitos no início do filme. Provavelmente uma última desgraça para nosso herói. Intercala-se com essa cena a evacuação da escola de Danny para que protejam-se do furação que está por vir. "O bater das asas de uma borboleta podem causar um tufão do outro lado do mundo". E parece que depois de essa borboleta bater tanto as asas, a doença de Larry possa ser o furação. Em plano de detalhe, a bandeira dos EUA, no pátio da escola, balança com os fortes ventos. Aí podemos somar as cenas de forma lógica mesmo, sem muita divagação. O objetivo é que toda a argumentação do filme seja aplicada à crise econômica que os EUA desencadeu no mundo recentemente.
Entre drama familiar, religião, cultura, economia, sonho, e outras coisas, o resultado não é a confusão, mas a anestesia. Além de tudo que disse, o filme tem méritos técnicos que nos levam a tal estado anestésico no final. Final? É, não tanto quanto em "Onde os fracos não tem vez", mas em certo nível "Um homem sério" também acaba antes do fim. Com os créditos surgindo abruptamente, como se a película na sala de projeção estivesse fatiada, faltando um pedaço. Como num sistema caótico onde não é possível voltar para um estado inicial de tranquilidade - uma resolução.

2 comentários:

  1. então sua posição é que a historinha do começo defende que a gente não sabe de nada, vai morrer sabendo e o significado das coisas está além do nosso alcance?
    adorei sua crítica
    profissional!

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  2. caaara,
    que análise FODA do filme

    não tinha absorvido nada disso, vi o filme e nem refleti depois
    só achei uma perda de tempo.. mas agora, me pareceu realmente genial o filme :D

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Copyright © Maurício Chades