domingo, 25 de abril de 2010

Frenesi



Como um dos últimos filmes da carreira de Hitchcock (Um corpo que cai), se ele fizesse apenas uma repetição, o perdoaríamos, pois sua obra já era vasta. Além de já ser um diretor bastante experiente ao fazer Frenesi (Frenzy, Reino Unido, 1972 - 1 h 56 min), Hitch também já tinha idade avançada (83), mas sua ousadia é típica de um diretor na flor da idade.
Um cadáver de uma mulher nua flutua sobre a água, surpreendendo um grupo de turistas. Em seu pescoço, uma gravata listrada que a enforcou. Para nos confundir, a cena é cortada para Richard Blaney (Jon Finch) vestindo-se com uma gravata idêntica. Isso nos induz a crer que Blaney é o assassino. Ele é demitido do bar onde trabalha por seu chefe achar que não tem pago o que bebe. Mais algumas cenas indicam Blaney como o assassino, como ele sair de fininho na presença de policiais. Então ele vai ao bem sucedido escritório de serviços matrimoniais de sua ex-esposa. Conversam aos gritos, chamando a atenção da secretária super esquisita do escritório. À noite, Blaney janta com sua ex. No restaurante brigam novamente, com várias pessoas de testemunha.
Logo nos  primeiros minutos do filme, o verdadeiro assassino é revelado. Isso mostra que a proposta do filme não é brincar de detetive. Brenda Blaney (Barbara Leigh-Hunt), a ex de Richard, é surpreendida em seu horário de almoço com a visita de Rusk ( Barry Foster). Amigo de Blaney, Rusk é um cliente problemático. Ele quer um tipo de mulher um tanto peculiar, que o escritório não consegue achar. Sendo assim, ele diz se contentar com a dona do escritório mesmo. Rusk estupra Brenda, enquanto essa, para suportar, recita poesias. Cena belíssima. Em seguida, Rusk tira sua grava e enforcar Brenda - ele é o serial killer. Acho tosco na cena, para representar os olhos da morta parados, terem congelado a imagem. Rusk vai embora e chega Richard, que se depara com a porta fechada e vai embora. A secretária volta e ainda vê Richard saindo. A câmera fica parada apontada para a rua enquanto a secretária sobe no prédio. Continuamos acompanhando a câmera parada até que a secretária grita, significando que encontrou o corpo de Brenda. A espera até o grito é de alguns bons segundos.  O bom natualisto aplicado por Hitch.
Richard chama sua peguete, que trabalhava com ele no bar, para passarem a noite juntos num hotel. Por ter passado a noite anterior num abrigo que lhe rendera um péssimo cheiro, Richard pede no hotel que lavem suas roupas ao máximo. Logo pela manhã sai nos jornais que Richard era o principal suspeito do assassinato de Brenda - a secretária o denunciara. Pedir que lavassem suas roupas como pediu era mais um argumento contra ele. Nos primeiros minutos do filme, Hitchicock nos mostra como alguns elementos, nada decisimos nos fazem acusar terminantemente um personagem. Depois de nos dar a verdade, faz como que torçamos para que as pessoas no filme sejam inteligentes (como os espectadores não foram) para não apurar os fatos erroneamente e acusar a pessoa errada.
A obra é recheado do humor negro mais sofisticado. "Eles são ótimos para os turistas" (detetive falando a outro sobre a importância dos serial killers) e "se não pode fazer amor, venda" (para Brenda blaney) são algumas das célebres. Os momentos mais hilários ficam por conta dos jantares preparados pela Sra. Oxford na casa do Inspetor-chefe Oxford (Alec McCowen). O inspetor sempre conta a ela o desenrolar das investigações. Ele fala dos brutais assassinatos enquanto é servido por um prato visualmente nojento. Apesar de haver apenas um cena de assassinato explícito, sentimos a mesma gastura vendo o inspetor tentar comer aquela comida tão estranha, sendo que ele faz questão de ficar descrevendo os assassinatos enquanto tenta por aquilo para dentro.
Outra cena que usa do tempo real como grande elemento de tensão (como o do encontro do corpo de Brenda pela secretária) é o assassinato de Babs (Anna Massey). Rusk promete à garçonete (a peguete de Richard), depois que esta se demite do bar, que ela pode ficar em seu apartamento enquanto ele viaja. Primeiro acompanhamos eles subindo as escadas em espiral do prédio de Rusk. Chegando à porta, a câmera retorna, descendo as escadas flutuando. Todos sabemos o que está acontecendo no apartamento. A câmera sai pela porta, em plano sequência. Termina num plano geral mostrando a feira na rua. Todos distraídos com suas vidas. O mundo acontece do lado de fora do apartamente, enquanto Babs é estuprada e assassinada. Lars Von Trier faz algo semelhante em Dogville, na cena em que Grace é estuprada. Hitchcook nem precisou derrubar as paredes para dizer que as pessoas não enxergam nada (sem querer fazer comparações, mas já fazendo).
Fatos e objetos tem um significado abstrato. Tudo que acontece repercute na trama. Rusk carrega no peito um belo broche com um R esculpido. Após livrar-se do corpo de Babs, jogando-a num caminhão cheio de sacos de batata, Rusk nota que ela levou o broche. Ele volta ao caminhão. Antes de conseguir recuperar o seu amuleto, o caminhão entra em movimento. Encontrando o saco que colocou o cadáver, a dificuldade de Rusk agora é conseguir abrir a mão da vítima com o broche, sendo que o corpo já entrou em rigor mortis e o caminhão balança bastante. Salpicada pelo melhor da decupagem do Hitchcock, a cena talvez seja a melhor do filme. Desajeitado, Rusk quebra os dedos de Babs para pegar o broche. Na empreitada, acaba sempre caindo acidentalmente nas partes íntimas da morta.
Frenesi é um obra que discute a questão referencial. O olhar de dentro e o de fora de determinadas situações. Sendo esse tema muito mais relevante na obra que uma trama de serial killer. Deixo aqui o trailer de cinema do filme (só encontrei em alemão), em que Hitch aparece imitando algumas cenas importantes com sua irreverência única, como a inicial em que o corpo flutua sobre a água e a do saco de batatas.




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