sexta-feira, 16 de abril de 2010

Chico Xavier - quando a Globo Filmes fez cinema



Meu lado mais cético se aguçou quando me preparei para ver a cinebiografia do médium mais famoso do século passado. Vários fatores que rodeiam o filme me causaram bloquei. Primeiro, é uma obra da Globo Filmes, estúdio conhecido por extender a televisão (principalmente para vender a emissora de TV que a comporta) à grande tela. Imediatamente depois desse fator, o diretor é o Daniel Filho (Se eu fosse você 2), que tem boa parte da culpa da Globo Filmes fazer o que faz. Para fechar com chave de ouro minha aversão, o filme é em boa parte regional, uma temática que os cariocas retratam normalmente de forma desastrosa, sempre imprimindo uma atmosfera rasa e esteriotipada. Tudo bem que o trailer sempre deixou claro que se tratava de um filme bem feito. A composição minunciosa de planos já é percebida, assim como o bom trabalho de fotografia. Mas eu não esperava, de forma alguma, ver num filme de Daniel Filho, produzido na Globo Filmes, com uma narrativa tão arrojada e  com bom uso dos diversos recursos que o cinema (e não a TV) pode oferecer.
Chico Xavier - O filme (Brasil, 2010 - 2 h 5 min) aborda com coesão bastante digna a vida de um homem que viveu muito, tanto quantitativamente (92 anos) quanto intensamente. Para conseguir tal mérito, o roteiro segue ao menos 4 tramas principais. Uma tarefa complexa, que um deslize em qualquer uma das linhas narrativas resultaria na rejeição pelo público. Somos levados, de forma não linear, pelas fases da vida de Chico. O ponto de partida é sempre o programa Pinga Fogo, em que ele é entrevistado, já na velhice (Nélson Xavier, na melhor atuação do filme), por "intelectuais" tentando contradizê-lo. A transição entre o programa de TV e o flash back é marcada por uma frase sábia  do médium, respondendo às contestações no programa, seguida por (sempre) um plano mostrando o rosto do Chico no monitor do estúdio do programa esmaecendo até virar o plano seguinte, em outra fase da vida do médium.
Na infância (Matheus Costa), a fotografia utiliza cores mais quentes, talvez pelo número maior de planos externos e cenas durante o dia. É aí o momento em que o filme desmitifica o médium, considerado por muitos como santo. Quando criança, Chico sofre maus tratos de uma madrasta (Giulia Gam) fanática religiosa, que extrapola a linha da loucura. Já não bastasse o sofrimento dentro de casa, o jovem médium não é levado a sério na escola, ou outros lugares que frequente. Ele já conversa com espíritos, mas falar isso para outros é pedir para ser chamado de filho do demônio (falamos do interior de BH no início do século passado). Essa primeira parte do filme é nitidamente mais saturada, em termos de conteúdo. Isso resultou em cenas mais curtas e elipses mais complexas. Mas o naturalismo, o trabalho de tempo cênico é prejudicado. Merece destaque as aparições da mãe desencarnada (como são referidos os mortos pelos espíritas), com quem Chico se encontra para fazer suas lamentações. Na primeira cena da aparição da mãe (Letícia Sabatella), temos um plano geral aéreo em que a câmera lentamente vai aterrizando, flutuanto, balançando de um lado para o outro - como uma câmera subjetiva. Essa câmera subjetiva que não identifica quem está por trás se repete em outros momentos do filme, sugerindo a presença de espíritos. Ah sim, falo que desmitificam o Chico por que mostram toda a conjuntura que o tornou um homem tão humilde e bondoso. Mostra que os fatores foram humanos e não sobrenaturais.
Crescido (Angelo Antônio), Chico se torna um trabalhador normal de uma cidade com poucas possibilidades. Seu pai (Luís Melo), percebe que o filho ainda é bem acanhado e o leva a uma casa de moças respeitosas (não) para que ele perca a virgendade. É o único momento em que a sexualidade do médium é mencionada. Mas, claro, Chico põe todo mundo pra rezar na tal casa de moças respeitosas e continua virgem. A partir daí alguns acontecimentos tornam incontestável o valor espiritual que Chico tem. Inclusive é aí que ele conheçe seu bem humorado e inteligente guia espiritual, o Emmanuel (André Dias), que supostamente é autor das mais sábias frases ditas pelo médium. Identificado por amigos da família que se relacionam com o espiritismo, Xavier é convidado a psicografar. Utilizando do melhor que o cinema clássico pode oferecer, Daniel Filho consegue dar muita qualidade à cena. A iluminação, então, já é muito mais fria que na infância e assim permanecerá pelo resto do filme. A iluminação que previlegia grandes espaços de escuridão, é responsável pelo tensão da cena. No momento em que o espírito toma posse do corpo de Chico, o teto se abre (literalmente). Somos então levados, por uma câmera ligeira, pelo ouvido do médium, para dentro de sua cabeça. O silêncio é absoluto por cerca de cinco segundos, assim como não se vê imagem alguma. Então algumas formas abstratas coloridas aparecem, até que tudo retome a normalidade. O momento é único, tornando o filme um híbrido de drama convencional  a partir da inserção desta cena de experimentação que  chega bem ao efeito para qual foi feita, a sinestesia.
Enquanto isso, uma trama parece se desenrolar complematemente paralela à vida de Chico Xavier. É o sofrimento do casal Glória (Christiane Torloni, na segunda melhor atuação do filme) e Orlando (Tony Ramos). Glória está inconformada com a perda do filho há mais de um ano, acreditando junto a seu marido que ele tenha sido assassinado pelo seu melhor amigo. Orlando está editando o programa Pinga Fogo, que é exibido ao vivo. Ele é ateu e completamente cético, resmungando sempre dos dizeres de Chico Xavier enquanto edita. Esse personagem é mais um dos que duvida terminantemente dos feitos do médium, o vendo como um charlatão. Sua raiva vem do fato de Glória ter ido atrás do médium, que psicografou uma carta "genérica, que qualquer filho escreveria", nas palavras de Orlando.
Reforçando a ideia de humano, e não de santo, na velhice temos um Chico preocupado com sua careca que vai reluzir nos programas de TV. Vaidoso, ele compra uma peruca, que imortalizou sua imagem, assim como os óculos escuros gigantescos. Além do Chico vaidoso, também temos um Chico que tem medo, que teme a morte (vejam só!), esse ultimo numa cena em que fica desesperado numa turbulência de avião.

O filme só ganha, de modo geral, à medida que evolui. Acabando a trama principal, a vida de Chico, nos surpreendemos com a valorização da linha narrativa de Orlando e Glória em detrimendo da de Chico. Poderia soar como um epílogo chato, mas o desenlace da trama centrado no casal e não em Chico foi dosado perfeitamente. Aí também é posto mais um tema importante: até quando os espíritos podem influenciar no mundo dos vivos. Isso porque Chico, durante o programa Pinga Fogo, supostamente psicografou uma carta do filho de Orlando e Glória. Na carta, o jovem fala que sua morte foi um acidente, que a arma disparou quando eles não esperavam. Isso é levado a julgamento, e a carta mudou completamente o destino do suposto assasino, que passaria um bom tempo atrás das grades.
Chico Xavier - O filme é uma obra repleta de boas atuações, com narrativa muito boa, além de méritos técnicos consideráveis. Todas as falas são dubladas, como as grandes produções de Hollywood. Mas o que não fizeram como os americanos foi a mixagem, que põe a voz dos atores muito mais alta que os sons ambientes, nos lembrando sempre que estamos vendo um filme. Agora nos resta esperar que a Globo Filmes faça mais obras legitmamente de cinema e não de TV.

3 comentários:

  1. Juro que tive mais vontade de ver o filme após essa sua resenha bem feita.
    Tomara que não tenha de certa forma o superestimado senão te mato.


    beijos, excelente blog, dear.

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  2. um filme maravilhoso em um momento extraordinário para a doutrina espírita. O mais fantastico de tudo é que o filme retrata o Chico de um modo tão sublime que fica difícil alguem não se emocionar.Traduzir esse filme em uma frase seria: " o amor na essência do significado".

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  3. Pela crítica, merece ser assistido! E Vou assisti-lo!

    UmBeijo, Amiguinho Maurício.

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