terça-feira, 21 de setembro de 2010

A igualdade é branca


A Trilogia das Cores fala muito das coisas que nos envolvem mas não percebedos. De vícios tão automáticos que são invisíveis. É sempre com um plano que remeta a isso que começam os três filmes. Em Azul, a roda do carro onde viaja a família de Julie ocupa metade do quadro. No terceiro filme, A Fraternidade é Vermelha, viajamos pelas instalações telefônicas. No segundo filme, A Igualdade é Branca (Trzy Kolory: Bialy, Polônia, 1994 - 1 h 29 min), uma mala é levada por uma esteira rolante de aeroporto.
Nos três casos, os elementos, além de terem um significado maior englobando a sociedade como um todo, referem-se diretamente às personagens da trama. Os símbolos alí colocados se relacionam com o fator ocasional que mudará a vida dos protagonistas. É em um carro que Julie tem a destruição de sua família e é na dificuldade de idioma, nos problemas de fronteira, e viajando em uma mala que Karol Karol (Zbigniew Zamachowski) se vê menosprezado pelo mundo - tal visão lhe dá força para mudar a situação.
Karol, que é polonês, se casou com a francesa Dominique (Julie Delpy). O relacionamento não engrenou e ambos enfrentam o processo de divórcio. No tribunal, na França, ao depor, Karol é interrompido pelo juiz claramente incomodado com sua dificuldade no francês. Todo indivíduo, por mais passivo que seja, tem seu momento de explosão e esse foi o momento de Karol Karol, que retruca para o juiz "Mas aonde está a igualdade? Só porque nao falo francês muito bem o tribunal não quer me ouvir?". A declaração de Karol é fundamental para o direcionamento das questões que nortearão a trama a partir daí. É a premissa central.
Além do idioma, a caracterização do personagem o transforma em um elemento que não está entre os iguais. Na entrada do tribunal, uma pomba defeca em Karol. Ele é maltratado pela sorte. E os problemas (sexuais) com Dominique, bem como sua submissão platônica a ela, o tacham de ingênuo. Essa ingenuidade também o coloca em posição inferior. A missão de Karol é se livrar desses estígmas.
As coisas mudam para Karol quando encontra no metrô outro polonês que o reconhece pela música que toca assoprando um papel (como no pôster acima). A música é do folclore polaco - se identificam por aquilo que lhes confere unidade nacional. Karol volta para a Polônia, para o branco (a neve sempre presente), onde enriquece.
Em Branco, a estrutura é fragmentada, diferente do linear A Liberdade é Azul. Kieslowski antecipa planos do final nos primeiros atos. Os planos que são adiantados de cenas do final são inserido nas cenas (do início) que interferirão no seu destino, no resultado final. Por exemplo, Karol guarda uma moeda de dois francos, uma recordação da França. Em uma cena,  Karol  joga a moeda para cima e, ao pegá-la novamente, o resultado do cara-ou-coroa fará Karol tomar alguma decisão. Então é inserido um plano de Dominique entrando em um apartamento e acendendo a luz, algo que só acontece no ato final. O porque de Dominique entrar nesse apartamento é respondido pelo resultado do cara-ou-coroa de Karol.
A trama nos entrega as maneiras diversas de se enxergar a igualdade e a falta dela. E a motivação de Karol em cumprir com o que deseja se relaciona no vencimento dos problemas que impedem a plenitude da igualdade. Enriquecer faz de Karol alguém muito mais aceitável. Mas teve que forjar a morte para reacender em Dominique o amor que ela já não sentia. E "morto", Karol não pode se casar. Perante o Estado Karol já não é um igual. Ou seja, lidamos com conceitos que se contradizem e não se realizam em conjunto. A igualdade seria uma utopia.

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