quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Os Sonhadores




Trinta anos depois de fazer Marlon Brando e Maria Schneider imortais nas quentes e amanteigadas cenas de Último Tango em Paris, Bernardo Bertolucci volta a fazer cinema despido de pudor em Os Sonhadores (The Dreamers, Franca/ Reino Unido/ Itália, 2003 - 1 h 55 min). O diretor volta trinta anos na temática e volta dez a mais para homenagear a Nouvelle Vague. Para dar a dimensão da hiperatividade de uma mente cinéfila jovem, o pano de fundo são os conturbados movimentos estudantis e político do final da década de 1960 e clássicos do cinema são citados como hipertexto ou notas de rodapé.
Matthew (Michael Pitt) é norte-americano e está em Paris para estudar cinema. Frequenta a Cinemateca Francesa, quase morando lá. Henri Langlois, fundador da Cinemateca Francesa e personagem chave para a preservação da memória fílmica feita até então, está sendo deposto pelo governo francês de seus serviços na Cinemateca. Movimento de artistas e estudantes tentam impedir a demissão. Em meio a esses manifestos, Matthew conhece os irmãos gêmeos Isabelle (Eva Green) e Theo (Louis Garrel). Com a viagem dos pais dos gêmeos, Matthew aceita o convite de passar uma temporada no apartamento de Isa e Theo. E é quando os adultos não estão perto para vigiar que as crianças realizam todos os seus impulsos.
Como a navegação na internet, o filme salta de referência a referência, diretor a diretor, atriz a atriz de maneira incessante. Somos guiados pelo raciocínio dos protagonistas que supervalorizam a própria intelectualidade. O ego é tamanho que viver no apartamento (onde quase todo o filme se passa) se torna a grande fuga deles. Criam ali o mundo ideal. A casa da árvore de muitas crianças.
O filme ser locacional (se passar quase todo no apartamento) é, além de caracterização para os personagens, mais uma referência à Nouvelle Vague. Está nesse movimento do cinema francês Acossado e sua cena de cerca de 30 minutos de diálogo no apartamento de Patrícia. Em alguns momentos, a trilha sonora é diretamente importada do filme do Godard. François Truffaut declarou durantes as gravações de Contatos Imediatos de 3º Grau, filme em que trabalhou como ator, "isso sim é um set" quando entrou em um cenário de apartamento, que se contrapunha às locações megalomaníacas do filme do Spielberg. Na Nouvelle Vague, um cenário que chamasse menos atenção que os personagens (exceto nos casos em que a cidade também é personagem) era ideal. Jules e Jim, do Truffaut, é o filme da Nouvelle Vague que inspira uma das temáticas do filme, o menage à trois. Band à Part, do Godard, também influencia, trantando-se ainda do menage. E é com esse último filme que Os Sonhadores cumpre uma bela metalinguagem - Matthew, Theo e Isa quebram o recorde de Franz, Arthur e Odile de atravessar o Louvre correndo no menor tempo possível. Um recorde existente em um filme é quebrado em outro.
O excesso de piadas internas infla o ego daqueles que as intendem. Os ludibria e extrai deles bons elogios. O que mostra o filme, por ora, como tendencioso e maquiado. "Só vê a 'maquiagem' quem é é inteligente", quem não for, verá o filme como ele realmente é. E não é ruim, mas é obra menor no currículo de Bertolucci. Muito dos excessos "intelectuais" do filme são justificados com a desilusão que Matthew sofre em relação a Theo e Isa. Quando o americano enxerga os gêmeos como acrílicos e "sonhadores", ele amadurece e é justamente quando é abandonado. Acorda do sonho. É como dizer que desequilibrar o filme, pesando tudo para o lado de referências intelectuais foi o caminho que encontraram para significar isso como artificial, onírico demais. No mais, enquanto homenagem ao cinema, Os Sonhadores é sim muito bem-vindo.

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