quarta-feira, 14 de julho de 2010

O anjo exterminador




O casal Leandro (José Baviera) e Lucía de Nobile (Lucy Gallardo) convidam seus amigos para um refinado jantar em sua mansão. Estranhamente, pouco a pouco os empregados vão deixando o local, onde deveriam estar trabalhando na festa que nem dá sinais de estar acabando. Todos estranham, mas as ações se limitam a comentários. Adentrando à madrugada, muitos dos convidados já se queixam passar da hora de terem ido. Os empregados já se foram todos, ficando apenas o mordomo com a difícil tarefa de se virar sozinho numa festa para mais de vinte pessoas. Ninguém arrisca ultrapassar a porta de saída. Com a inviabilidade de sairem durante a madrugada, todos são convidados a dormir na mansão. Os quartos são oferecidos, mas os convidados acabam por dormir naquele ambiente da festa, a sala. Todos estão confusos quanto ao porque das "escolhas". Os empregados não voltam para a mansão. Ninguém atravessa a porta. Os dias se passam e a situação fica precária. Falta água e comida. Com tamanha pressão, os personagens vão se revelando, mostrando seus piores lados, até então ocultos.
O Anjo Exterminador (El ángel exterminador, México, 1962 - 1 h 35 min) é um drama surreal extremamente realista. Não entenda realista como aquilo que é diretamente espelhado da nossa "realidade". O universo que bloqueia os personagens, assim como algumas situações são tipicamente surreais. O realismo está nas atuações verossímeis, nos diálogos e demais aspectos humanos. Há nessa obra tudo de mais bizarro que caracteriza a obra de Luis Buñuel (A bela da tarde). A diferença está no tratamento. Onde normalmente os elementos surreais eram imagéticos e explícitos, agora estão na situação, no desenrolar da ação. Não perdendo em nada a essência daquilo já feito para sua autra "maneira" de ser surreal.
Fazer que personagens não consigam sair de um ambiente é só o passaporte para o verdadeiro objetivo. Estão todos em "meio de cultura" se (des)conhecendo, se irritanto e vendo até que pondo há legitimidade, há verdade, nos relacionamentos que tinham até então. Casais se formam e outros se desfazem. Manias aparentemente comuns, como pentear os cabelos em um só sentido, são vistos como verdadeiramente provocantes para os personagens que estão saturados da "condição". O meio de cultura é a sala, mas quem seria o cientista que analisa as reações de suas bactérias ao adicionar substâncias?  Buñuel.
Além de inaugurar uma maneira de conduzir a trama diferente do que o diretor já tinha feito, há momentos de associação direta com outros trechos de sua obra. O pesadelo em que uma mão flutuante passeia pela sala enquanto quase todos dormem nos lembra imediatamente a obra de estreia de Buñuel com parceria de Salvador Dalí, Um cão andaluz. Além de inserção de símbolos de referência mitológica e bíblica, como é o caso das ovelhas que atravessam a sala, o urso que os amedronta e o retrato de anjo (exterminador) na porta do armário onde um casal se refugia para mais tarde morrer.
O anjo exterminador é denso. Nos assusta tanto quanto os mais pesados filmes de terror sem ter que recorrer a artifícios explícitos (como mais tarde fez Polanski em O bebê de rosemary). Está tudo num quadro ao mesmo tempo que não está. As inferências são infinitas. Alguns segundos de diálogos somados à atuação mais a luz planejada e o ângulo ideal são o suficiente para nos empedir de dormir.

2 comentários:

  1. é sempre uma ótima ideia juntar pessoas em um quartos pra todo mundo coloque as vísceras pra fora!
    me interessei pelo filme. ótima crítica!
    na peça entre quatro paredes do sartre ele fala dessa relação com os outros!se não me engano, é nela que ele fala : o inferno são os outros
    são pessoas presas num quarto tb

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