quinta-feira, 29 de julho de 2010

O fotógrafo do underground

É debate ferrenho tanto no campo da arte quanto da publicidade/design a legitimidade (ou falta dela) da p/d enquanto arte. Por convenção, atualmente mantém-se os produtos advindos do design e publicidade em uma categoria bem distinta daquilo que seria expressão artística. São classificados apenas como produtos industriais. Por ora, temos essa concepção de publicidade e design. A fotografia já teve seus dias de luta frente aos intelectuais para se assumir como arte. Saiu vencedora, mostrando-se um meio artístico original. Mas onde se encaixaria aquela fotografia feita para os produtos de publicidade e design? Também por convenção, hoje, aquelas fotografias feitas para editoriais de revista, fotografia de moda, capas de cd, etc. são recursos do produto de p/d. Não pretendo me aprofundar em tal debate, pois dele já há quilos de referências e intelectuais que deram suas vidas buscando as respostas apropriadas. O que pretendo trazer aqui não é até onde aquele produto voltado para a indústria é artístico ou não, mas sim avaliar aqueles que estão por trás desses produtos. Seriam eles artistas? Ao usarem cores, formas e luz para evocar sentimentos e inconscientemente colocarem muito de sua visão de mundo no que fazem, não estariam eles sendo artistas?
É papel do artista fazer uma leitura do mundo a seu público. É dar abrigo emocional a ele. Steven Klein (1962 – atualmente), fotógrafo norte-americano, é incontestavelmente um leitor e construtor de seu tempo, mesmo servindo quase sempre à publicidade. Com as particularidades de trabalhar o tema e conceito das campanhas e ensaios fotográficos que se envolve, Klein é mais um daqueles sujeitos que podem nos dizer o que somos, o que vivemos e para onde possivelmente vamos. Quando toda a riqueza estética e conteudista de um anúncio da Dolce&Gabbana faz nosso olhar mudar de direção, os mais conservadores dirão que Klein foi bem sucedido no seu único objetivo que era vender o produto. Mas o universo que ele fotografa é muito mais que a compra da cueca que está na moda. Outro fator essencial que me fez escolher um fotógrafo com Klein foi tentar humanizar a relação que estabelecemos com fotografias voltadas para publicidade e design. Por esse tipo de fotografia muitas vezes se submeter a um objetivo maior que sua arte em si, que é a venda do produto, acabam por ter aspectos generalizantes, que fazem o autor desaparecer por trás do visor da câmera. Olhamos a fotografia como apenas um anexo da propaganda, assim como temos o mesmo olhar para a tipografia e o layout. É como se entendêssemos aquilo apenas como resultado de um trabalho de computador. É bem verdade que tais fotografias, a maioria, é bastante genérica e “desumana”. É uma linha estilística que se desenvolveu na história da publicidade. Tal tendência não é seguida por todos. Um deles é Steven Klein.

O Universo de Steven Klein

Falar que o fotógrafo trabalha como moda e celebridades é fazer muitos entenderem sua temática como reduzida. Isso acontece porque pegando uma revista com bastante publicidade de moda, por exemplo, vamos encontrar dos mais diversos anúncios. Em todos eles encontraremos boa parte de elementos em comum e uma mensagem bem vazia. A maioria vai optar pela estética visual forte, mas o universo acaba por ser pobre. Klein, apesar de também aderir a alguns clichês, trará quadros com universo rico. Suas peças estão aí para a reflexão e não para a alienação. Ele é uma das provas que a cultura de massa não é apenas um instrumento para “emburrecer” as pessoas. 
Com uma tendência para polemizar, Steven usa elementos que evocam violência, sexo, sexualidade (pois não tem pudor para trazer à vista o homossexualismo), solidão e loucura. Como a sensação geral do século XXI, sua obra é um conglomerado de emoções e sensações.
A grande tendência da comunicação é a convergências dos meios. Steven Klein não está atrasado quanto a isso. Também constrói carreira como diretor de videoclipe, motion design e video arte. Em quase todas as turnês da performática cantora Madonna, vídeos feitos por Steven Klein que são exibidos no telão. Uma exercício de “pictorizar” a música.
A parceria Klein/Madonna já é duradora. Muitos dos projetos pessoais do fotógrafo tem a participação da estrela pop. O casamento é perfeito. Um é equivalente do outro, cada um em sua área. Isso é nítido na intensidade que ambos se expressam e mais claro ainda se compararmos as temáticas mais comuns. Juntos já fizeram diversos vídeo-arte e ensaios. Recentemente foi publicado na revista Vogue a última parceria. Trata-se de um ensaio em que Madonna encarna uma dona de casa da década de 50. Buscando maior proximidade com a realidade visual da época, Klein fotografa em preto e branco. Ainda para revistas, Klein meio que se veste de Cartier Bresson e revela a alma de Madonna em fotos espontâneas e despojadas. A cantora não usa seus figurinos deslumbrantes. Um trabalho de fotojornalismo. Há quem o apelide de “fotógrafo da Madonna”, mas quem o chama assim corre o risco de estar reduzindo um artista a outro.
Por atender diversos clientes, cada um com um produto diferente a vender, Klein é versátil quanto cada um. Consegue assumir a identidade visual apropriada para cada campanha sem ter que abandonar suas marcas. O padrão visual é bastante versátil. Mas também é percebida uma tendência do autor na predileção de algo mais vintage e retrô. Mas o que essencialmente o caracteriza visualmente é o excesso. Ou muitas cores, nenhuma, granulação anormal, muita luz, contrastes diversos acentuados e sequência de leitura complexa para quem executa e perfeita para quem lê a imagem. Consegue estabelecer fortes relações com os figurinos e corpos dos modelos que os vestem. Normalmente temos em quadro diversos elementos, mas sua diagramação é coesa e não confunde o leitor. Os projetos pessoais de Klein são livremente artísticos. O descompromisso com a venda de produtos é elemento essencial que faz seus dois lados (o comercial e não comercial) terem divergências. Quando serve à publicidade, por mais absurdo seja a maneira que Klein aborda o mundo, ele não pode abrir mão de imagens claras, coesas e de impacto visual positivo. Suas fotos tem que ser bonitas dentro daquilo que se convenciona beleza. Nos seus projetos pessoais ele se vê livre para experimentação. Aqui ainda vemos a tendência vintage e retrô. Explora bastante a saturação e granulação da imagem. Tudo isso sem deixar de trazer seu posicionamento quanto a sexo, violência e etc. Klein é poluidamente, comercialmente e industrialmente um artista puro.

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