sábado, 17 de julho de 2010

Rashomon




Akira Kurosawa (Ran) é bastante lembrado por trazer o cinema oriental para o resto do mundo. Tal empreitada é estreada com Rashomon (Rashomon, Japão, 1950 - 1 h 28 min), considerada uma de suas obras primas. Kurosawa faz o ocidente assistir filme japonês por um dos caminhos mais fáceis. Traz a linguagem a qual aquele público já estava acostumado (enquadramentos pré-prontos, estrutura de roteiro, etc). Mas ele consegue isso sem abrir mão de seu traço estilístico. Sua obra não deixa de ser bastante autoral.
Japão, Período Kamakura. Um lenhador (Takashi Shimura), um sacerdote (Minoru Chiaki) e um camponês (Kichijiro Ueda) procuram refúgio nas ruínas do Portão de Rashomon. Aguardam passar uma tempestade. O sacerdote relata um julgamento que testemunhou envolvendo o estupro de Masako (Machiko Kyô) e o assassinato do marido dela, Takehiro (Masayuki Mori). O bandido para os dois crimes é Tajomaru (Toshirô Mifune). Nas palavras do sacerdote, somos transportados para o julgamento em flashback. Cada um dos envolvidos conta sua versão da história. Na versão de cada um, também somos levados por flashback. Flashback dentro de flashback. Tal recurso temporal tem bastante credibilidade para o espectador. Funciona como um olho que tudo vê e não como um olho subjetivo. À medida que um relato contradiz o outro, Kurosawa recontrói a ideia de flashback. Por fim, não acreditamos em nada que saia de um humano no filme. Todos, com seu ponto de vista, estão buscando o melhor resultado para si no julgamento.
As temáticas mais claras do filmes se centrarão entre até onde se corrompe o caráter humano e na estabilizaçao, ou falta dela, no triângulo amoroso que se forma entre os três personagens centrais, onde se desencadearão os crimes posteriormente postos a julgamento.
Kurosawa representa o triângulo amoroso poeticamente nos enquadramentos. Ora dois personagens estão no primeiro plano e outro, à mercê da decisão dos que estão em primeiro plano, em segundo. O geometrismo é bastante claro em alguns enquadramentos. A disposiçao dos personagens mais os cenários formam triângulos. O triângulo não vale apenas para os três protagonistas (o bandido, o samurai e a esposa do samurai), mas também para aqueles que aguardam o julgamento no limbo rashomon (camponês, sacerdote e lenhador).
Além dos enquadramentos em triângulo, também ganha destaque o bom uso da câmera no momento em que o bandido rouba um beijo de Masako. O diretor de fotografia Kazuo Miyagawa é muito bem sucedido nos contrastes e efeitos de luz que consegue pela luz do sol que atravessa as folhas das árvores no bosque onde se desencadeia toda a ação do triângulo amoroso. No ato do beijo, Masako é relutante, mantendo os olhos abertos. Ela olha para a copa das árvores. Sua aversão vai desaparecendo. Está gostando do beijo. Sua visão fica turva. Cede ao beijo.
As relações tríade do filme podem ser levadas ao campo da psicanálise. Os arquétimos de personagem, tanto dos três que estão em Rashomon quanto dos que estão no bosque lembram o esquema id, ego e superego. No bosque, por exemplo, o samurai seria o id - o mais inibido; a esposa o ego - relutante quanto às suas vontades desesperadas e o superego para o bandido - que não se esconde. Tal comparaçao também foi aplicada de forma semelhante ao livro Morro dos ventos uivantes, de Emily Bronte.
A música é bastante hollywoodiana. As vezes tem os defeitos de hollywood, principalmente no início do filme. Nessa parte ela pontua toda a ação. Uma relação com as imagens de pura redundância. Mas há também sequências que são completamente coesas com a música. Amarradas por ela.
Quando os personagens já não sabem onde estão e para que estão, levando o público junto para as mesmas dúvidas, é lançada uma explicação geral para o filme a que estiver acordado para captar: "a realidade é um faz de contas. O homem quer esquecer as coisas ruins".

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