sábado, 31 de julho de 2010

Como água para chocolate




O que é um bom filme? Aquele que nos agrada? Aquele que não enrijece, não representando um momento de estagnação para a linguagem cinematográfica? O mais puramente é Cinema (com C maiúsculo)? Ou que seja, à sua maneira, arte? Nos últimos anos a crítica tem sido mais flexível ao analisar obras que sejam híbridas. Já dizia-se nos tempos de Nouvelle Vague que as outras artes podem ser usadas no cinema e isso não o minimizaria. Em Como água para chocolate (Idem, México, 1993 - 1 h 45 min), há a relação forte com a literatura, provavelmente por se prender ao que há de melhor no romance o qual foi baseado. Mas aqui não é um exemplo de como o casamento "cinema + outra arte" deu certo, contrário ao caso de Sin City, por exemplo, que traz elementos de Hq.
Tita (Lumi Cabazos) nasce na cozinha quando sua mãe cortava cebolas. Seu pai morre pouco depois de seu nascimento e o lar se torna predominantemente feminino, visto que antes de Tita também só nascera mulheres. Por ser a caçula, Tita se ve condenada à tradição local: a última filha não deve se casar, pois cuidará da mãe até sua morte. Essa realidade se torna um inferno quando a jovem se apaixona por Pedro (Pedro Muzquiz). Pela impossibilidade de ficar com Tita, Pedro se casa com a irmã dela para poder ficar próximo da mulher que realmente ama.
Por Tita ter passado desde a infancia a maior parte do tempo reclusa na cozinha, desenvolve dotes culinários. E é pela culinária que o filme tenta expor o que os personagens ocultam. Em um momento que poderia ser brilhante, os personagens, num almoço, fazem uma orgia (metafórica) apenas degustando dos excelente pratos de Tita. A cena acaba não funcionando bem pois é um recorte do livro. O que eles pegaram no romance não recebeu o devido tratamento para o cinema. É tudo marcado pelas palavras da voz em off, tendo as imagens e som seu valor desprezado. É certo que as palavras são muito bonitas, vem de um texto muito bem escrito e poético. A questão é que o filme não é um híbrido equilibrado na medida em que praticamente só traz os recursos que o livro já trazia e menospreza uma segunda criação. A boa adaptação pressupõe a criação de uma outra obra e não uma versão (inferior) da original.
Há deslizes maiores que ainda acontecem. A história aborda a vida inteira de Tita, do nascimento à morte. Não se consegue cumprir a missão de ter uma narrativa regular, o que é agravado já que a história é linear - uma missão não tão difícil. Quando menos esperamos, somos surpreendidos com personagens que já haviam morrido voltando em sua versão de fantasma para acabar seu papel na narrativa que esquecerma de cumprir enquanto estavam vivos. Elementos elucidados no início são trazidos em proporções maiores para simular que o roteiro é coeso, mas o estrago já estava feito. Elementos surreais e sobrenaturais estavam no livro compondo o Realismo Fantástico. Em tal gênero literário, elementos bizarros são tratados com naturalismo, fazendo com que o aceitemos. No filme temos a impressão de que, depois de usar todas as armas que podiam para salvá-lo, apelaram para "soluções metafísicas". Não fica de bom tom. A obra parece toda mal remendada.
Os problemas vem de um processo de adaptação ruim e os méritos são os que já estavam no livro. É muito peculiar elevar Tita como artista que transfere para seus pratos o turbilhão de sentimentos que passa. Ao ingerirem os pratos de Tita, todos reagem. Tita faz o bolo de casamento de Pedro com sua irmã e acaba derramando lágrimas na massa. Todos os convidados acabam vomitando. Por fim, fica a dica: leiam o livro - é muito bom.

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